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A Paciência
Sebastião Bernardes Carmelita
Bispo Dom Antonio Palauy Ternens, que mandou queimar 300 volumes de livros espíritas, em praça pública, no episódio conhecido como "Auto de fé de Barcelona", em 9/10/1861.
Meus irmãos e irmãs, que a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo seja conosco. A paciência é irmã de uma outra virtude, sem a qual se nos torna impossível vencer. Refiro-me à perseverança.
Como seguirmos adiante, saindo do lugar-comum, se não insistirmos na prática cotidiana do dever? Como vencer na luta contra nós mesmos se não persistimos, pacientemente, no esforço de melhorar? As conquistas definitivas do Espírito são frutos da perseverança, da resistência continuada ao assédio do mal. Todo dia, seja na Terra ou no Mais Além, é dia de tentarmos nos impor às imperfeições que, durante séculos, acalentamos. Aqui estamos, redivivos, neste outro lado da margem do rio da vida, com as mesmas lutas íntimas e diante dos mesmos impasses morais... Ao longo de múltiplas existências nos equivocamos, acalentando vícios difíceis de serem extirpados. Ah! Meu Deus, quantos deles se nos encontram profundamente enraizados! Não será de um momento para outro que nos livraremos dos hábitos nocivos que criamos; toda vez que procuramos nos impor a qualquer um deles, o 'homem velho' reage dentro de nós, reclamando-nos posse... A pretexto, porém, da impossibilidade de uma mudança imediata, não podemos desistir! Carecemos, gradativamente, de ir criando novos hábitos, o que, convenhamos, só nos será possível com muita determinação e coragem, fugindo às facilidades…
Desde cedo, compreendi, na condição de sacerdote da Igreja Católica, que, se quisesse honrar os votos formulados, não poderia me conceder qualquer facilidade. Assim é que sempre escolhi viver com o estritamente necessário, dando ocupação ao meu corpo e à minha mente. Um minuto de ociosidade pode gerar aflições para muito tempo... Não posso lhes dizer que venci, mas pelo menos comecei a me disciplinar nos próprios impulsos – no orgulho, na vaidade, na ambição, nos desejos aos quais, infelizmente, tantos sucumbem. Ainda neste sentido, peço permissão para lhes dizer que o abrigo da Caridade ao qual recorri me protegeu – e como – de mim mesmo. O Senhor me inspirou a escolher conviver com os mais pobres... Visitava os hospitais, os asilos, as famílias em desarmonia, cumprindo, da aurora ao crepúsculo, laborioso trajeto que fazia questão de percorrer a pé, macerando o corpo e submetendo o espírito.
De há muito, meus irmãos, esperava oportunidade de vê-los assim reunidos, os integrantes da família espírita, para lhes pedir perdão... Creio que tão cedo não me será dada oportunidade semelhante. Perdoem-me se, na condição de autoridade do Santo Ofício, ordenei, em Barcelona, quando envergava outra indumentária física, a queima dos livros que lhes representam o ideal. Quando deixei o corpo, profundamente transtornado, pesando-me na consciência aquela atitude de extrema intolerância, fui socorrido pelos Espíritos amigos, autores das obras que mandara incinerar, e, mais tarde, o próprio Allan Kardec veio em meu auxílio, impedindo que caísse em estado de mais profunda perturbação. Bondosamente, me estendeu ele suas mãos, conversou comigo e cuidou da planificação de minha futura existência corporal. Por este motivo, embora tendo nascido ligado à Igreja Católica, desde menino experimentei o desabrochar de faculdades mediúnicas – posso dizer que nasci em lar espírita. Meu pai, espírita convicto, um homem profundamente generoso, compreendeu-me a vocação e não criou qualquer obstáculo quando manifestei desejo de ir para o Seminário.
Que prova, meus irmãos!
Em minhas veias corria a seiva da doutrina de que fora verdugo no passado; todavia, por fora, estaria preso a compromissos de que necessitava me desvencilhar, dando melhores exemplos aos companheiros de sacerdócio que, por certo, influenciara negativamente com meus gestos de intolerância religiosa. Peço-lhes, pois, perdão! Como Paulo de Tarso, ao desencadear a perseguição contra os cristãos primitivos, eu ainda não conhecia Jesus, em espírito e verdade! Perdoem-me a insensatez, perdoem-me! E, diante de processo espiritual tão intrincado, lhes pergunto: o que haveria de ser de mim, sem o mínimo de paciência, aceitação, submissão aos desígnios superiores?
Sebastião Bernardes Carmelita silenciara em meio à grande comoção de todos os presentes.
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