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Débitos com a Terra
Adolpho Marreiro Jr.

   Oh! Terra – mãe devotada. Em teu seio acolhedor elaboramos nossa gestação espiritual. Na travessia longa e penosa de teus reinos recolhemos experiências que, apesar de incontáveis, ainda representam insignificante grau de aprimoramento. Colocaste à nossa disposição teus continentes, teus oceanos, teus rios e mares, tuas cascatas, tuas fontes de água potável e teus imensos recursos minerais, tuas sementes e o precioso ar que respiramos.
   Todavia, em troca de tanta prodigalidade, hoje, muitos de nós, sensibilizados e arrependidos, reconhecemos que, desde os tempos longínquos de nossa primitividade, tão logo conquistamos a razão e o livre-arbítrio, outra coisa não fizemos senão tratar-te com requintes de perversidade, indiferença e ingratidão. Principalmente, após a revolução industrial, poluímos teus oceanos e teus mares, teus rios, teus lagos e tuas fontes de águas cristalinas. Exaurimos desordenadamente teus recursos minerais e devastamos tuas exuberantes florestas, pouco fazendo por restaurá-las. Envenenamos o ar que respiramos e, com nossa "inteligência", dominamos o reino animal, escravizando e massacrando nossos irmãos inferiores, conduzindo várias espécies à extinção.
   Embora enfatuados com nossas assombrosas conquistas científicas e tecnológicas, adentramos o Terceiro Milênio dando continuidade a espetáculos sanguinolentos, a exemplo das touradas, rinhas de galos, caças esportivas, etc. Atualmente, proliferam os espetáculos dos rodeios, onde há tudo para divertir a multidão, menos o respeito e os sentimentos de piedade para com os enormes touros com suas ilhargas apertadas por vigorosos cordões que os torturam, obrigando-os a saltarem desesperados e infelizes, sob algazarra dos espectadores.
   Até quando, mãe Terra, continuaremos a aprisionar teus pássaros, simplesmente para que deleitem nossos olhos e nossos ouvidos com suas plumagens coloridas e seus cantos maviosos? Por que ainda não aprendemos a amar esses encantadores seres alados que, sem dúvida, foram criados por Deus, não para serem aprisionados pelo resto de suas vidas, mas, para que desfrutem, venturosos, o paraíso das florestas e possam voar livremente pelos espaços sem limites? Além disso, convictos de que te possuímos, dividimos tua superfície, transformando-a, a bel-prazer, numa "colcha de retalhos" maiores e menores, que denominamos nações, as quais, para preservarem suas fronteiras, sustentam forças armadas consumidoras de vultosas parcelas dos erários dos povos. Contaminados pela febre da posse, inventamos os títulos de propriedade com que transferimos os teus bens de pessoa a pessoa, de família a família, de geração a geração. Nem sequer lembramos que o próprio corpo não nos pertence, pois seus componentes retornarão ao teu laboratório químico.
   E agora – mãe dadivosa! Como vamos saldar nossas vultosas dívidas contigo? Como vamos reparar os incalculáveis danos que te causamos, se o delírio da posse nos contamina cada vez mais? Com certeza serás tu mesma que, cumprindo a Lei de Ação e Reação, vais reagir contra teus filhos perversos e ingratos, a fim de restaurar o equilíbrio e pureza dos teus reinos. Aliás, há sinais evidentes de que já iniciaste a justa reação: são vulcões que despertam, tornados e furacões que eclodem com maior frequência, terremotos, derretimento das geleiras dos polos, água potável escasseando a cada década, temerosas inundações provocadas pela subida das águas de teus rios a níveis jamais vistos, tudo isso ceifando milhares de vidas e deixando outras tantas ao desabrigo. Epidemias estranhas vão surgindo, frustrando os esforços da Ciência. Entendemos que tudo isso é a tua reação contra os teus filhos que hoje, como nunca, se comportam como um vírus, corroendo o teu organismo.
   Com certeza, o Supremo Autor da Vida te fornecerá recursos sábios, poderosos e justos, para a correção dos teus insensatos filhos, autênticos "grileiros" de todos os teus bens que, ao final, restaurados, serão dignamente administrados e usufruídos por uma nova humanidade, isenta dos desvarios da posse, frutos do egoísmo e do orgulho.
   Assim foi, é e será, porque o Amor, expressado no Bem e no Belo, é a eterna realidade na Criação Divina. O mal é transitório, precário e se auto destrói nos conflitos dos interesses mesquinhos e recíprocos.
   Esta é a nossa confissão de culpas; que pela lei de Causa e Efeito, deverão ser resgatadas, em tempo mais ou menos longo, em múltiplos renascimentos, nos quais haveremos de alvejar nossas vestes espirituais nos tanques das tuas lágrimas purificadas. Espíritos de escol afirmam que "(…) dificilmente a alma humana compreenderá quanto deve ao seu planeta, responsável pela sua consciência de ser e existir". Muitos anjos (dizem eles) "que planam suas asas de amor e sabedoria sobre vossa humanidade, curvam-se, comovidos, rendendo hosanas à Terra, como matriz materna de suas consciências espirituais". "(…) E, como Mãe devotada, ela vê os seus filhos queridos partirem, como libélulas que se alcandoram ao espaço e desaparecem na visão cerúlea do Infinito!"
    Finalizando, transcrevemos o sublime hino de louvor e gratidão à mãe Terra, constante do livro "Obreiros da Vida Eterna", capítulo 20, ditado pelo Espírito André Luiz, psicografia de Chico Xavier, entoado por um grupo de Espíritos da colônia Nosso Lar:
 
   Ó Terra – mãe devotada,
   A ti, nosso eterno preito
   De gratidão, de respeito
   Na vida espiritual!
   Que o Pai de Graça Infinita
   Te santifique a grandeza
   E abençoe a natureza
   Do teu seio maternal!
 
   Quando errávamos aflitos,
   No abismo de sombra densa,
   Reformaste-nos a crença
   No dia renovador.
   Envolveste-nos, bondosa,
   Nos teus fluidos de agasalho,
   Reservaste-nos trabalho
   Na divina lei do Amor.
 
   Suportaste-nos sem queixa
   O menosprezo impensado,
   No sublime apostolado
   De terno e infinito bem.
   Em resposta aos nossos crimes,
   Abriste nosso futuro,
   Desde as trevas do chão duro
   Aos templos de luz do Além.
 
   Em teus campos de trabalho,
   No transcurso de mil vidas,
   Saramos negras feridas,
   Tivemos lições de escola.
   Nas tuas correntes santas
   De amor e renascimento,
   Nosso escuro pensamento
   Vestiu-se de claro sol.
 
   Agradecemos-te a bênção
   Da vida que nos emprestas;
   Teus rios, tuas florestas,
   Teus horizontes de anil,
   Tuas árvores augustas,
   Tuas cidades frementes,
   Tuas flores inocentes
   Do campo primaveril!…
 
   Agradecemos-te as dores
   Que, generosa, nos deste,
   Para a jornada celeste
   Na montanha de ascensão.
   Pelas lágrimas pungentes,
   Pelos pungentes espinhos,
   Pelas pedras dos caminhos:
   Nosso amor e gratidão!
 
   Em troca dos sofrimentos,
   Das ânsias, dos pesadelos,
   Recebemos-te os desvelos
   De mãe de crentes e incréus.
   Sê bendita para sempre
   Com tuas chagas e cruzes!
   As aflições que produzes!
   São alegrias nos céus.
 
   Ó Terra – mãe devotada,
   A ti, nosso eterno preito
   De gratidão, de respeito,
   Na vida Espiritual!
   Que o Pai de Graça Infinita
   Te santifique a grandeza
   E abençoe a natureza
   Do teu seio maternal!
 
   Algum dia, quando nada mais devermos à Terra, poderemos, ditosos, entoar sobre ela esse hino de gratidão.
 
REVISTA DE ESPIRITISMO CRISTÃO.
ANO 121 - JULHO 2003 - Nº 2092.
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